Criticado por centrais
sindicais, mas apoiado por grande parte do empresariado nacional, o
projeto de lei que regulamenta a terceirização dos contratos de trabalho
deve ser votado na tarde desta terça-feira pela Câmara dos Deputados
cercado de pontos polêmicos.
O
principal deles é a permissão de que empresas terceirizem não só
atividades-meio (funções de apoio ao negócio central da empresa, como
limpeza e vigilância), mas também as atividades-fim (por exemplo, a
fabricação de carros, no caso de uma montadora).
Para
os críticos, o projeto de lei é prejudicial aos trabalhadores pois
coloca em risco a conquista dos direitos trabalhistas e pode levar a uma
substituição em larga escala da mão de obra contratada diretamente pela
terceirizada.
Já os defensores da proposta acreditam que ela acaba com a insegurança jurídica, aumenta a produtividade e gera mais empregos.
Até
agora, por causa da ausência de parâmetros definidos para a
terceirização, o tema vem sendo regulado pelo TST (Tribunal Superior do
Trabalho), por meio da chamada Súmula 331, que proíbe a contratação de
trabalhadores por meio de empresas interpostas, exceto os trabalhadores
temporários (como aqueles que trabalham em época de Natal e Páscoa). De
acordo com o dispositivo, a terceirização somente é legal quando se
refere à atividade-meio da empresa, e não à atividade-fim.
No
ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu entrar na
polêmica, ao declarar o tema de repercussão geral, em meio à
multiplicação de ações civis públicas ajuizadas pelo MPT (Ministério
Público do Trabalho) envolvendo indenizações milionárias. O julgamento
não ocorreu e está previsto para acontecer em 2015.
Centrais,
sindicatos e movimentos sociais prometem realizar manifestações em todo
o Brasil nesta terça-feira para barrar a votação do projeto de lei.
"Vamos
fazer uma campanha massiva contra todos os deputados que votarem a
favor dessa proposta", afirmou à BBC Brasil Graça Costa, secretária das
Relações de Trabalho da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
A BBC Brasil listou três pontos polêmicos do projeto de lei e ouviu opiniões – contra e a favor – sobre ele.
1. Terceirização de toda e qualquer atividade
A
possibilidade de que as empresas passem a terceirizar não só a
atividade-meio (aquelas que não são inerentes ao objetivo principal da
empresa, ou seja, serviços necessários, mas não essenciais), mas também a
atividade-fim (aquela que caracteriza o objetivo principal da empresa) é
um dos itens mais controversos do projeto de lei que regulamenta a
prestação de serviços por terceiros.
No
caso de um banco, por exemplo, a mudança permitiria que bancários – de
operadores de caixa a gerentes, ou seja, aqueles que desempenham
atividade-fim nessas instituições - passem a ser terceirizados.
Atualmente, nessas empresas, apenas trabalhadores como seguranças ou
faxineiros podem ter esse tipo de contrato, pois exercem atividade-meio,
já que a atividade principal de um banco não é fazer segurança tampouco
faxina.
Os críticos dizem,
no entanto, que a flexibilização dos contratos "precariza as relações de
trabalho". Eles também argumentam que, ao serem empregados como
terceirizados, os trabalhadores perdem os benefícios conquistados pela
categoria, como, por exemplo, piso salarial maior, plano de saúde,
vale-alimentação, participação nos lucros, entre outros.
"Esse
projeto de lei precariza as condições de trabalho no país. Dizem que
mais empregos serão gerados, mas com que padrão? Padrão chinês?",
critica o juiz Germano Silveira, vice-presidente da Anamatra (Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), em referência às más
condições de trabalho em fábricas na China.
"Os
terceirizados ganham salários mais baixos, até metade do que ganha um
contratado direto, e sofrem acidentes de trabalho com mais frequência,
pois as empresas que prestam o serviço terceirizado economizam nos itens
de segurança para cortar custos", acrescenta. "Os deputados (a favor do
projeto de lei) querem transformar essa diferença de salário em lucro
para os empresários".
Graça
Costa, secretária das Relações de Trabalho da CUT (Central Única dos
Trabalhadores) concorda. Segundo ela, o projeto, se aprovado, vai
provocar uma substituição em massa de trabalhadores contratados por
terceirizados.
"Há hoje no Brasil quase 13
milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de
trabalhadores contratados. Essa situação vai se inverter com a aprovação
desse projeto de lei. O objetivo das empresas é unicamente reduzir
custos. A relação de trabalho, que hoje é bilateral, ou seja, entre
trabalhador e empregador, vai deixar de sê-lo, abrindo espaço para
subcontratações a torto e direito. Será quebrada a coluna vertebral do
direito do trabalho no Brasil", avalia.
Segundo
Costa, estimativas apontam que, além de terem salários menores, os
terceirizados trabalham mais e correm mais riscos de sofrer acidentes,
inclusive fatais. Ela acrescenta ainda que, dos dez maiores grupos de
trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados entre 2010 e
2014, 90% eram de mão de obra terceirizada.
2. Responsabilidade das empresas contratantes sobre obrigações trabalhistas
Pela
atual versão do PL 4.330/2004, a empresa contratante (tomadora de
serviços) deve fiscalizar se a empresa terceirizadora (fornecedora de
serviços) está fazendo os pagamentos trabalhistas e previdenciários e
garantindo os benefícios legais, como férias remuneradas. Apenas se não
comprovar ter feito a fiscalização, ela poderá ser punida no caso de
haver alguma irregularidade. O projeto de lei determina que a empresa
contratada comprove por meio de documentação mensal que está cumprindo
com suas obrigações.
As
centrais sindicais, no entanto, defendem que a responsabilidade do
tomador de serviço não seja "subsidiária", mas "solidária". No linguajar
jurídico, a chamada "responsabilidade subsidiária" significa que a
empresa contratante (tomadora de serviços) somente pagará se o devedor
principal deixar de pagar. Isso leva o trabalhador a demorar mais tempo
para receber seu dinheiro, no caso de uma demissão sem justa causa, por
exemplo – porque ele precisa esgotar primeiro todas as possibilidades
para receber do devedor solidário, ou seja, da empresa contratada.
Como
muitas vezes essas terceirizadoras têm capital social muito baixo, com
poucos bens no nome da empresa ou dos sócios, o trabalhador acaba
enfrentando um longo périplo na Justiça para reaver seus direitos, dizem
os representantes dos sindicatos.
"Essa foi uma solução intermediária (para o impasse), mas é apenas uma fiscalização formal", critica Silveira.
Para Costa, da CUT, a proposta prejudica o trabalhador porque tira do Estado o poder de fiscalização".
"Se
a empresa terceirizada não cumprir com os direitos dos trabalhadores e a
empresa contratante provar que se responsabilizou, o prejudicado será o
trabalhador. Não faz sentido deixar na mão do empresário, que tem
interesses financeiros nesse sistema, a tarefa de fiscalização, que
deveria caber ao Estado", argumenta.
Costa lembra que o escândalo de desvio de verbas na Petrobras criou, recentemente, um impasse sobre obrigações trabalhistas.
"Mais
de 20 mil trabalhadores terceirizados foram demitidos recentemente de
empresas que prestavam serviços à Petrobras e não sabem a quem
recorrer".
3. Garantias dos direitos trabalhistas aos terceirizados
A
garantia dos direitos trabalhistas aos terceirizados, especialmente
como deve ficar a representação sindical, é outro ponto de atrito entre
críticos e apoiadores do projeto de lei que regulamenta a terceirização
da mão de obra.
O texto não
assegura a filiação dos terceirizados no sindicato de atividade
preponderante da empresa, o que, segundo as lideranças sindicais,
fragiliza a organização dos trabalhadores terceirizados.
De
acordo com os sindicatos, é comum que terceirizados que trabalhem em um
mesmo local tenham diferentes patrões e sejam representados por setores
distintos. Negociações com o patronato acabam, assim, prejudicadas,
apontam.
"Flexibilizar as
relações trabalhistas é um erro, sobretudo no momento de crise.
Precisamos de um mercado de trabalho forte, uma massa de trabalhadores
com bons salários e com boas condições para que eles possam ser
consumidores. O governo vai deixar de arrecadar", conclui Costa.
Outro lado
Na
visão dos que apoiam o projeto de lei, a regulamentação dos contratos
de prestação de serviços de terceiros beneficia os trabalhadores.
Segundo
o deputado Arthur Maia (SD-BA), autor do substitutivo da Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania para o PL 4.330/04, havia uma
"discriminação contra o trabalhador terceirizado".
"Não
temos uma legislação que discipline a matéria. Nosso objetivo é
regulamentar as relações de trabalho nesse campo criando uma série de
exigências para que uma empresa possa funcionar como terceirizada. Isso
beneficia o trabalhador pois lhe dá a segurança que hoje ele não tem",
diz Maia.
O deputado argumenta que os sindicatos são contra a proposta por temer uma "redução da arrecadação".
"Quando
acontecer a legalização, haverá um fracionamento maior da contribuição
sindical entre mais sindicatos. A crítica é legítima. Temos de
reconhecer, porém, que não é justo que haja um prejuízo do trabalhador
face à arrecadação sindical".
Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo,
Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo), afirmou que "com a regulamentação do trabalho terceirizado, o
Brasil irá se alinhar às mais modernas práticas trabalhistas do mundo".
"Depois
de muitos anos de debate, a terceirização poderá, enfim, ser
regulamentada no Brasil. Isso acabará com a insegurança jurídica,
aumentará a competitividade e certamente vai gerar mais empregos".
Para
a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a
regulamentação da terceirização é "condição imprescindível para que as
empresas possam colocar seus produtos no mercado a preço competitivo e,
com isso, ajudar o Brasil a sair desta crise inédita e de tamanho
imprevisível".
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