Um ano e nove meses após cancelar uma visita de Estado, a presidente Dilma Rousseff embarca neste sábado (27) para os Estados Unidos com o objetivo de retomar as relações diplomáticas, atrair investimentos para concessões na área de infraestrutura (aeroportos, portos, rodovias e ferrovias) e impulsionar a economia.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que integra a comitiva da presidente Dilma, foi internado na noite desta sexta-feira (26) no Hospital do Coração do Brasil, em Brasília, com suspeita de embolia pulmonar. Ele deixou o hospital na madrugada e, apesar do problema de saúde, poderá viajar aos Estados Unidos.
Pela programação inicial, divulgada pela Presidência, Dilma embarca para Nova York, onde permanecerá até a próxima segunda (29). Nos dois dias em que estiver na cidade, a presidente terá série de encontros com empresários brasileiros e norte-americanos.
Contudo, divergem sobre o poder de negociação que Dilma terá diante de empresários norte-americanos e o presidente Barack Obama em razão do atual cenário econômico do Brasil.
Esta é a primeira vez que a Dilma fará visita oficial ao país após as denúncias de que agências de inteligência norte-americanas teriam espionado líderes mundiais, incluindo a própria presidente, há quase dois anos – ela chegou a ser no país duas vezes, mas para participar da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Considerado "questão no passado" pela presidente, o mal-estar diplomático, avaliam especialistas, não estará na pauta do encontro.
Nos quatro dias em que permanecerá nos Estados Unidos, Dilma terá compromissos em Nova York, Washington e São Francisco. Nas três cidades, terá encontros com empresários dos setores financeiro, manufatureiro, de investimentos, tecnologia e inovação.
A presidente desembarcará na noite deste sábado em Nova York e retornará ao Brasil na próxima quarta (1º), após cumprir agenda em São Francisco.
Em meio às medidas de ajuste fiscal propostas pelo governo para reduzir os gastos da União, Dilma apresentará nos EUA o plano de investimentos em logística, linformou o Ministério das Relações Exteriores. O plano foi lançado há cerca de duas semanas e prevê concessões em aeroportos, portos, rodovias e ferrovias – o pacote envolverá, segundo o governo, R$ 198,4 bilhões.
Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro econômico do Brasil, com fluxo comercial (soma das exportações e importações) em torno de US$ 60 bilhões, atrás somente da China (US$ 77,9 bilhões).
Embaixador do Brasil em Washington, Roma (Itália) e Londres (Inglaterra) durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o diplomata Paulo de Tarso Flecha de Lima elogiou o fato de a presidente decidir ir aos Estados Unidos.
Por considerar o país o "o grande líder do mundo", Flecha de Lima disse que é preciso sempre manter o diálogo com os Estados Unidos.
Para o diplomata, o Brasil, sétima maior economia do mundo, "não é um paisinho qualquer", e, como presidente, Dilma tem "poder enorme". Ele avalia que a petista não chega "fragilizada" aos Estados Unidos em razão do atual cenário econômico, e ressalta que, eleita no ano passado, deve viajar "de cabeça erguida".
"A presidente Dilma não chega fragilizada aos Estados Unidos. Acho que ela, presidente do Brasil eleita com a maioria considerável dos votos, eleita democraticamente, tem todos os requisitos para ser nossa representante", disse.
Ao G1, Flecha de Lima afirmou que o Brasil perdeu "certo ativismo" no cenário internacional nos últimos anos, mas não o prestígio diante de líderes mundiais como Barack Obama. Ele avalia que Dilma poderá ter "muito êxito" na visita e obter resultados "positivos" para o Brasil.
O professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer, entretanto, avalia que, com a aprovação da presidente em 10%, e em meio ao ajuste fiscal, o atual cenário político-econômico do Brasil pode gerar "muitas dúvidas" aos empresários norte-americanos.
Para ele, os investidores esperam ouvir da presidente durante os encontros garantias de que a situação econômica do Brasil vai melhorar nos próximos anos.
"Ela [Dilma] vai tentar vender o peixe para os empresários. Porém, ela está chegando com uma carga negativa muito forte, até mesmo em função de todo o problema na Petrobras e com a economia em parafuso", afirmou.
Política interna
Para o professor do Departamento de História da UnB Virgílio Arraes, especialista em Relações Internacionais, as questões políticas internas do Brasil, como a popularidade da presidente, "não são tão importantes" para os empresários norte-americanos.
Segundo ele, porém, o que pode "complicar" o Brasil na tentativa de atrair investimentos estrangeiros são questões tributárias. "Nós temos uma das mais altas taxas de juros do planeta, por exemplo. Isso, sim, pode complicar a atração de investimentos", disse.
Acho que o momento para vender o Brasil no exterior não é dos melhores. Neste ponto, o governo Lula tinha muito mais facilidades, surfava em uma onda de otimismo e prosperidade econômica. Agora, o momento é completamente diferente"
Paulo Velasco, professor da FGV
O professor do MBA de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Paulo Velasco diz que, "sem sombra de dúvida", a presidente chegará aos EUA "fragilizada" em função do atual momento econômico do país.
Para ele, o cenário é diferente do período em que o Brasil foi governado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o desafio de Dilma é mostrar que a economia brasileira vai "voltar aos trilhos".
"Acho que o momento para vender o Brasil no exterior não é dos melhores. Neste ponto, o governo Lula tinha muito mais facilidades, surfava em uma onda de otimismo e prosperidade econômica. Agora, o momento é completamente diferente, há grande desconfiança internacional e interna, e o objetivo principal de Dilma deve ser mostrar que o cenário econômico brasileiro tende a se estabilizar", afirmou.
Empresários
Responsável por organizar um dos seminários com empresários dos quais presidente Dilma participará nos EUA, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia que, embora o Brasil passe pelo ajuste fiscal e a aprovação da petista seja a mais baixa desde que ela assumiu, a Presidência, os empresários norte-americanos "não olham o cenário de dois ou três anos". Para a entidade, os investidores do país têm tradição de fazer investimentos a longo prazo.
O gerente-executivo de Comércio da CNI, Diego Bonomo, afirmou que os empresários querem ouvir da presidente uma sinalização política de que o governo brasileiro buscará junto à Casa Branca medidas que possam impulsionar acordos na área econômica. Para ele, tanto a indústria brasileira quanto a norte-americana aguardam "agenda econômica mais ambiciosa" dos dois governos.
Embora Dilma tenha anunciado esta semana o Plano Nacional de Exportações, Bonomo diz que não há "medidas milagrosas" para alavancar o comércio exterior no Brasil. Ele defende ações como o fim da bitributação.
Para o representante da CNI, o Plano de Investimento em Logística pode atrair investimentos, mas a presidente precisa dar garantias aos norte-americanos de que os projetos serão rentáveis nos próximos anos.
"No fundo, o que os Estados Unidos querem é ter uma agenda econômica mais ambiciosa com o Brasil. Toda a avaliação do governo americano e dos empresários com quem nós conversamos é de grande realismo. Eles sabem que a atual fase econômica do Brasil é temporária, é um período de ajuste, com um ou dois anos mais difíceis, mas nenhuma grande empresa norte-americana está aqui pensando no curto prazo", disse.