1. ESCOLA, DIFICULDADES E DISTÚRBIO
A escola não é apenas aquilo que a lei lhe impõe. Ela é muito mais o produto das práticas diárias de seus professores, alunos, funcionários e pais e das relações que estabelece com o todo social. É um ambiente de ações e reações, onde ocorre o saber, o saber-fazer e o ser. É constituída por características políticas, sociais, culturais e críticas. Ela é um sistema vivo, aberto. E como tal, deve ser considerada como em contínuo processo de desenvolvimento influenciando e sendo influenciada pelo ambiente, onde existe um feedback dinâmico e contínuo.
É neste ambiente de produções e produto que se insere o professor, o educador, não como um indivíduo superior, em hierarquia com o educando, como detentor do saber-fazer, mas como um igual, onde o relacionamento ente ambos concretiza o processo de ensinar-aprender. Pensar no educador como um ser humano é levar à sua formação o desafio de resgatar as dimensões cultural, política, social e pedagógica, isto é, resgatar os elementos cruciais para que se possa redimensionar suas ações no/para o mundo.
Sendo assim tem uma função de realizar mediação entre o conhecimento prévio dos alunos e o sistematizado, propiciando formas de acesso ao conhecimento científico. Porém todo aluno tem o seu ritmo na construção do conhecimento e muitas escolas acabam desrespeitando este ritmo, através de grandes exigências. Contudo o desempenho escolar pode ser influenciado tanto por problemas afetivos, psicomotores, cognitivos, como por problemas relacionados à escola.
É muito discutida a questão do papel do professor na educação em relação aos alunos que apresentam "dificuldades de aprendizagem".
Sabemos que os problemas de aprendizagem não podem ser resolvidos apenas com os educadores. A escola é construída com a participação da família e do estado(professores). Quando um desses atores deixa de cumprir o seu papel, compromete o trabalho do outro.
Nas literaturas sobre aprendizagem, muito se tem discutido sobre distúrbios versos dificuldade de aprendizagem, ficando claro que não são sinônimos, apesar da diferença ser muito sutil entre os termos.
Esses distúrbios e dificuldades abrangem vários fatores, uma vez que envolvem a complexidade do ser humano, afetando crianças, adolescentes e adultos.
Acredita-se que podem ser decorrentes de:
Um estresse grande vivido pela criança
Doenças
Falta de alimentação
Falta de estímulos
Baixa auto-estima
Problemas com alcoolismo ou drogas
Problema familiar
Problema escolar
Problemas patológicos
O distúrbio está relacionado a um grupo de dificuldades com maior comprometimento e está vinculado a questões neurológicas e orgânicas. Isso significa que essas dificuldades estão relacionadas na aquisição e no uso da fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas que se referem às disfunções no sistema nervoso central.
Os alunos portadores de distúrbio de aprendizagem não são incapazes de aprender, pois os distúrbios não é uma deficiência irreversível, mas uma forma de imaturidade que requer atenção e métodos de ensino apropriados.
Considera-se que um alunos que tenha distúrbio de aprendizagem quando:
a) Não apresenta um desempenho compatível com sua idade quando lhe são fornecidas experiências de aprendizagem apropriadas;
b) Apresenta discrepância entre seu desempenho e sua habilidade intelectual em uma ou mais das seguintes áreas; expressão oral e escrita, compreensão de ordens orais, habilidades de leitura/compreensão e cálculo/raciocínio matemático.
Além disso, costuma-se considerar quatro critérios adicionais no diagnóstico de distúrbios de aprendizagem. Para que o aluno possa ser incluído neste grupo, ele deverá:
a) Apresentar problemas de aprendizagem em uma ou mais áreas;
b) Apresentar uma discrepância significativa entre seu potencial e seu desempenho real;
c) Apresentar um desempenho irregular, isto é, o aluno tem desempenho satisfatório e insatisfatório alternadamente, no mesmo tipo de tarefa;
Principais distúrbios de aprendizagem: dislexia, disgrafia, discalculia, dislalia, etc.
Já a dificuldade de aprendizagem é um termo mais global e abrangente com causas relacionadas ao sujeito que aprende, aos conteúdos pedagógicos, ao professor, aos métodos de ensino, ao ambiente físico e social da escola. Ou seja, problemas que não estão apenas no aluno, mas que interferem na sua aprendizagem.
"As dificuldades de aprendizagem não são uma condição ou síndrome simples, nem decorrem apenas de uma única etiologia, trata-se de um conjunto de condições e de problemas heterogêneos e de uma diversidade de sintomas e de atributos que obviamente subentendem diversificadas e diferenciadas respostas clínico-educacionais" (PORTO, 2005, p. 59)
Não podemos também deixar de considerar que as dificuldades de aprendizagem muitas vezes podem ocorrer concomitantemente com outras situações desfavoráveis, como: alteração sensorial, retardo mental, distúrbio emocional, ou social, ou mesmo influências ambientais de qualquer natureza.
Portanto, é imprescindível a observação global de um aluno, para que seja possível levantar hipóteses sobre a origem de sua dificuldade antes de se categorizar como sendo de ordem patológica ou não.
Uma dificuldade não é uma doença e sim um desafio, que propõe à escola rever suas estratégias e ao professor rever suas concepções.
É importante ter conhecimento sobre este assunto, para que seja possível tornar o professor mais consciente do seu papel e da influência de sua concepção e postura frente ao tema. Esclarecê-lo que a dificuldade não é um distúrbio, portanto, pode ser trabalhada em sala de aula, que sua causa e aparecimento não são devidos unicamente ao aluno, à sua família ou de outra ordem, mas sim um conjunto de fatores, incluindo a prática pedagógica, metodologia e a relação professor/aluno. Não estando o problema apenas fora da escola, mas muitas vezes dentro dela.
2. AS QUESTÕES DIDÁTICAS E A RELAÇÃO PROFESSOR/ALUNO
A relação professor-aluno deve ser encarada como um processo dinâmico, os dois sujeitos participam ativamente co-construindo, negociando, reorganizando e reestruturando significados. Assim, está na relação o foco de análise para encontrar a explicação sobre as dificuldades no processo ensino-aprendizagem.
Verifica-se que um aluno dito com "problemas de aprendizagem" enquanto tinha um(a) professor(a) "sem características afetivas, cooperativa e de incentivo" apresentam desempenho escolar abaixo do esperado. Com isto não havia uma identificação das necessidades mútuas e dos interesses de ambos, o que impossibilitou o crescimento de aluno(a) e professor(a).
Por outro lado, o mesmo aluno, em contato com uma professora de característica "afetiva, cooperativa, demonstrando consideração, apoio, incentivo..." foi capaz de superar as dificuldades de aprendizagem.
Todavia a transmissão de conhecimento baseada no modelo unidirecional, onde o aluno deve se conformar às atitudes do professor sem esperar ser compreendida enquanto indivíduo, não gera transformação. Ao contrário, cristaliza formas de pensar e comportar. Por outro lado, se a transmissão do conhecimento tem por base o modelo bidirecional onde há uma troca de informações que gera mudança e desenvolvimento, a interação irá mudar a mensagem, ocorre mudança tanto para quem transmite, que o faz junto com as suas vivências pessoais, assim como para quem recebe a informação e este fato é respeitado por ambas as partes da interação.
Mais do que transmitir conhecimento o educador deve buscar construir o conhecimento com seus alunos respeitando as diferenças individuais e também culturais.
"O professor não apenas transmite uma informação ou faz perguntas, mas também ouve os alunos. Deve dar-lhes atenção e cuidar para que aprendam a expressar-se, a expor opiniões e dar respostas. O trabalho docente nunca é unidirecional. As respostas e as opiniões dos alunos mostram como eles estão reagindo à atuação do professor, às dificuldades que encontram na assimilação dos conhecimentos.
Servem também para diagnosticar as causas que dão origem dão origem a essas dificuldades" (LIBÂNEO, 1994, p.250).
Deste novo modelo de interação surge a confiança, o respeito mútuo e a amizade, características fundamentais para que haja uma troca sadia e construtora entre professor e aluno.
A dimensão afetiva da aprendizagem precisa receber maior atenção, se o que se pretende é uma formação integral do indivíduo, pois não somos apenas racionalidade, somos também sentimento e afeto (emoção). E assim se destaca as aulas de educação física.
Educação é muito mais do que o aprendizado das matérias dadas em sala de aula. Ela engloba o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e afetivo. E resumidamente pode-se dizer que nas aulas de educação física todos os três domínios estão em constante relação.
A educação física realmente objetiva o desenvolvimento integral do aluno. Por meio do movimento, são ensinados valores múltiplos que vão desde o desenvolvimento físico, passando pelo caráter lúdico, através dos jogos e brincadeiras e atingindo até a conscientização de valores morais, como o respeito e o trabalho em grupo.
Nessas aulas a aprendizagem do aluno não depende somente dele, e sim do grau em que a ajuda do professor esteja ajustada ao nível que o aluno apresenta em cada tarefa de aprendizagem. Se o ajuste entre professor e aprendizagem do aluno for apropriado, o aluno aprenderá e apresentará progressos, qualquer que seja o seu nível.
No processo educacional físico, alunos e professores são sujeitos que atuam de forma consciente. Não se trata apenas de sujeitos do processo de conhecimento e aprendizagem, mas de seres humanos imersos numa cultura e com histórias particulares de vida. O aluno que o professor tem à sua frente traz seus componentes biológico, social, cultural, afetivo, lingüístico entre outros. Uma vez que independente de como seja esse professor, ele será sempre alguém para ser lembrado, um referencial que deixará marcas na vida de seus alunos. Paulo Freire diz:
"O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum deles passa pelos alunos sem deixar sua marca" (FREIRE, 1996, p.73).
O processo de ensino-aprendizagem envolve um conteúdo que é ao mesmo tempo produção e produto. Parte de um conhecimento que é formal (curricular) e outro que é latente, oculto e provém dos indivíduos.
Todo ato educativo depende, em grande parte, das características, interesses e possibilidades dos sujeitos participantes, alunos, professores, comunidades escolares e demais fatores do processo. Assim, a educação física se dá na coletividade, mas não perde de vista o indivíduo que é singular (contextual, histórico, particular, complexo) e tem uma ferramenta imprescindível e diferente dos demais componentes curriculares o corpo. Pois o aluno percebe seu próprio corpo por meio de todos os sentidos, estando seu corpo ocupando um espaço no ambiente em função do tempo, captando assim imagens, recebendo sons, sentindo cheiros e sabores, dor e calor, movimentando-se. O corpo é o seu centro, o seu referencial, para si mesmo, para o espaço que ocupa e na relação com o outro.
Portanto, é preciso compreender que o processo ensino-aprendizagem na educação física se dá na relação entre indivíduos que possuem sua história de vida e estão inseridos em contextos de vida próprios.
As atividades de correr, saltar, arremessar, trepar, pendurar-se, equilibrar-se, levantar e transportar, puxar, empurrar, saltitar, girar, saltar corda permitem a descarga da agressividade, estimulam a auto-expressão, concorrem para a manutenção da saúde, favorecem o crescimento e uma variedade de benefícios para o sujeito aprendente. É evidente que estas atividades devem ser adequadas ao estado de desenvolvimento de cada aluno para assim fazer com que os movimentos sejam próprios ao seu grau de desenvolvimento morfofisiológico, o que contribui de maneira significativa para o avanço orgânico e funcional dos alunos em cada etapa de sua vida escolar.
A importância da educação física frente às dificuldades de aprendizagem começa a configurar-se quando se toma consciência das dificuldades dos alunos e cuida-se em apresentar os objetivos, os temas de estudos e as tarefas numa forma de comunicação clara e compreensível, juntamente com a escola, em um todo. As formas adequadas de comunicação concorrem positivamente para a interação professor-aluno e outros que fazem parte do contexto escolar, uma vez que muitos a vêem como um estímulo ao simples desenvolvimento físico através de gestos e movimentos padronizados, tirando assim o caráter educacional pertencente que visa atuar sobre a formação do caráter humano e contribuir para um maior rendimento do trabalho intelectual e afetivo frente às dificuldades de aprendizagem na(da) escola.
O profissional de educação física, no desempenho de sua função, pode moldar o caráter dos alunos e, portanto, deixar marcas de grande significado na sua formação. Ele é responsável por muitos descobrimentos e experiências que podem ser boas ou não. Com isso dirigi e orienta a atividade mental dos alunos, de modo que cada um deles seja um sujeito consciente, ativo e autônomo.
Como facilitador, deve ter conhecimentos suficientes para trabalhar tanto aspectos físicos e motores, como também os componentes sociais, culturais e psicológicos. Isso significa que, além da capacidade de ensinar conhecimentos específicos, é também papel deste profissional transmitir, de forma consciente ou não, valores, normas, maneiras de pensar e padrões de comportamento para se viver em sociedade e para que seja transposto as barreiras das dificuldades. Ficando claro que não se pode transmitir todos esses aspectos descartando o aspecto afetivo - a interação professor-aluno.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, pode-se dizer que a educação física juntamente com as dificuldades de aprendizagem exige um trabalho multidisciplinar e cada profissional tem o seu papel para ajudar o aluno construir o seu mundo de forma saudável. Não há como separar o cognitivo, o físico e o afeto em fragmentos isolados. Pois o aluno não deve ser visto como partes, mas como um todo, complexo e único que está formando a sua estrutura. Isso vale para professores, psicólogos, pais, familiares, enfim, a todos que fazem parte do universo discente.
Ao nos depararmos com quadros de alunos com dificuldade de aprendizagem, nos surge a preocupação em que nós professores podemos contribuir para que esse aluno, mesmo diante de suas dificuldades possa aprender? A esse questionamento refletimos sobre o papel da escola e a inter-relação com a família.
Consideremos que o papel da escola deveria ser o de desenvolver o potencial de cada um, respeitando as características individuais do aluno e sempre procurando reforçar os pontos fracos e auxiliando na superação desses pontos, evitando dessa forma que as dificuldades que os alunos possuem não sejam motivos para serem excluídos do processo de aprendizagem e muito menos possam ser rotulados ou discriminados.
Outro fator que muito colabora no papel da escola, é a família, pois permite a troca de experiência entre pais e professores. É muito importante que haja uma integração entre os ambientes (escola e família) para se compor o quadro de uma forma real e objetiva. Tanto os pais quanto os professores precisam entender que as dificuldades que o aluno possui se tiver um trabalho em conjunto todos serão beneficiados, principalmente ele, o aluno.