Quando Kylee Majkowski tinha 7 anos, descobriu que seu sonho de se tornar uma princesa jamais seria concretizado. Foi também com essa idade que começou a se questionar por que a escola não ensinava empreendedorismo para os alunos, inspirada por uma visita ao escritório de sua mãe, uma empreendedora social.
Desde então, já fundou uma empresa e tem recebido convites internacionais para dar palestras e firmar parcerias. E ela só tem 10 anos. A garota de Washington DC, cofundadora e CEO da empresa Tomorrow’s Lemonade Stand, esteve no Brasil em abril para participar do 28º Fórum da Liberdade, evento organizado pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE), em Porto Alegre, onde falou diante de um auditório lotado de empresários e estudantes.
A Tomorrow’s Lemonade Stand (ou Banca de Limonada do Amanhã) oferece um programa que ensina crianças de 7 a 12 anos a se tornarem empreendedoras. Em 4 meses, os participantes aprendem conceitos de empreendedorismo por meio de uma plataforma online e se reúnem em clubes fora do horário da escola. A ideia é que, no módulo final do curso, a criança ponha em prática sua ideia de negócio.
O currículo foi todo pensado por Kylee durante uma viagem de trem de Washington para Nova York, segundo sua mãe, Amanda Antico, que fundou a empresa junto com a filha.
Com mais de 100 crianças formadas pela iniciativa, os negócios desenvolvidos por elas abrangem desde um site que tem a proposta de ensinar sobre tecnologia para avôs e avós, passando por uma produção de cupcakes até a invenção de uma camiseta “anticalor”, que tem um bolso interno no qual se coloca um saco de gelo para refrescar quem a veste.
Ações no Brasil
No Brasil, iniciativas parecidas também começam a surgir. É o caso da Oficina de Negocinhos, criada no Rio de Janeiro em 2013 pela psicóloga Ana Biavatti. O objetivo é estimular a atitude empreendedora de crianças a partir de 6 anos.
“A intenção não é que a criança vire uma miniempresária e comece a fazer dinheiro. Mas desenvolver um conjunto de habilidades para que, quando ela chegue na idade de trabalhar, tenha opções além de prestar um concurso ou distribuir currículo. Que ela possa sonhar em criar valor extraordinário para as coisas. O empreendedor tem a habilidade de perceber valor onde os outros não percebem”, diz.
“Imagine uma criança que, desde cedo, olha em volta, entende os problemas e os vê como oportunidade de agir e transformar. Nossa missão é despertar essa habilidade questionadora.”
Como ficam os estudos?
Mas será que o contato tão precoce com o mundo dos negócios não pode desviar a atenção dos estudos? A própria Kylee diz não ser fã da escola. “Quantas crianças vocês conhecem que gostam de ir para a escola? Não gosto de ir para a escola. Fico entediada, ensinam a mesma coisa várias vezes”, disse para um grupo de jornalistas no Brasil.
Pesquisas recentes, porém, sugerem que o ensino de empreendedorismo pode aumentar o interesse por outras disciplinas. Ana Biavatti cita um estudo desenvolvido pela Escola Superior de Educação de Harvard que avaliou um grupo de alunos de quatro escolas de ensino médio da região de Boston. Parte dos estudantes participavam do programa da Fundação Nacional pelo Ensino de Empreendedorismo (NFTE, na sigla em inglês) e a outra parte não.
Os alunos que receberam lições de empreendedorismo tiveram melhora de desempenho em disciplinas como matemática e língua inglesa, em comparação com o outro grupo. O primeiro grupo também passou a demonstrar maior interesse por atividades da comunidade.
“O empreendedorismo dá uma razão para as crianças estudarem. Eles entendem que, para fazer a contabilidade de um negócio, precisam entender melhor a matemática. Para fazer marketing, precisam escrever bem e dominar a língua. Para fazer storytelling, é preciso saber história e geografia, para entender a memória daquela comunidade”, diz Ana.
Empreendedorismo na escola
Esta também é a percepção da educadora Graziely Nunes, diretora do Ensino Fundamental I do Colégio Guilherme Dumont Villares, de São Paulo. Lá, as aulas de empreendedorismo fazem parte da grade curricular de alunos do 1º ao 5º ano. Os que se interessarem podem continuar o curso até o 9º ano, em caráter eletivo. Em cada série, os alunos são engajados em atividades como plantio de ervas medicinais, construção de brinquedos, fabricação de doces, entre outras atividades.
“Eles têm que produzir textos, elaborar cartazes, fazer cálculos, dividir tarefas e, com certeza envolvem todas as disciplinas do currículo em prol do empreendedorismo”, diz Graziely.
Para ela, a atitude empreendedora, constantemente desenvolvida no curso, contribui para a melhoria do desempenho escolar de modo geral. “Eles acabam pesquisando mais, desenvolvendo outras habilidades e até estruturando sua organização de estudo de um jeito diferente.”
O colégio adota o conteúdo do programa Jovens Empreendedores Primeiros Passos, do Sebrae. Segundo Juliana Gazzotti Schneider, gerente da Unidade de Cultura Empreendedora do Sebrae-SP, só no ano passado, 190 escolas, entre públicas e privadas, adotaram o currículo, levando o conteúdo a 26,5 mil alunos.
“O programa desenvolve atributos e habilidades necessárias para gerenciar sua vida pessoal e profissional. O programa ajuda a preparar o aluno para ser protagonista de sua própria vida”, diz Juliana.
A armadilha da competição extrema
Quem tem experiência na área lembra que estimular o empreendedorismo entre os pequenos não significa promover uma competitividade selvagem ou esperar que as crianças ganhem seu primeiro milhão na primeira década de vida.
Amanda Antico conta que muitos pais, ao inscreverem seus filhos na Tomorrow’s Lemonade Stand, buscam apenas uma vantagem competitiva para a criança, o que não é o objetivo principal do projeto. “Os pais precisam estar envolvidos, mas precisam deixar a criança florescer”, diz. “Muitos pais competitivos americanos pensam que isso é uma vantagem para entrar na faculdade ou querem saber se isso vai ajudar os filhos a entrarem no colégio Thomas Jefferson (instituição de prestígio de Washington). Eu respondo que não.”
Ana Biavatti, da Oficina de Negocinhos, conta que já experimentou situações parecidas. “Os pais me ligam para saber se as atividades deram bom resultado, incitando uma competição extrema. Querem saber como os filhos vão atingir determinada meta. É preciso entender que é um processo de crescimento e desenvolvimento.”
Para Graziely, o papel dos pais deve ser o de garantir o equilíbrio entre os “negócios” e os estudos. Ela própria é mãe de uma miniempreendedora: sua filha Luiza, de 10 anos, produz e vende biscoitos para os vizinhos do condomínio. “A família deve encontrar o meio termo e avaliar se essa ocupação da criança está passando dos limites, quanto tempo ela está se dedicando a isso e se a atividade está agregando algum valor.”
A educadora conta que, hoje, a filha já compra o material para suas receitas com o dinheiro das vendas e deposita o que sobra na poupança. Segundo ela, essa atitude tem colaborado no desenvolvimento da responsabilidade e da organização pessoal da Luiza, que faz a tarefa com alegria. “Toda família incentiva e valoriza, mas o equilíbrio é fundamental”, diz.
Quanto a Kylee, ela já tem uma ideia clara do que quer ser quando crescer. “Quero ser uma daquelas adolescentes milionárias e posso me ver, quando for mais velha, como diretora de uma grande empresa. Antes eu pensava que iria ser uma princesa quando crescesse. Mas caí na real quando tinha 7 anos. Nós vivemos em uma democracia.”
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