Histórico
A poliomielite é uma doença
infecto-contagiosa viral aguda descrita desde a Antiguidade, porém reconhecida
como problema de saúde pública, somente no final do século XIX, quando
epidemias começaram a ser registradas em vários países do mundo. Sua etiologia
infecciosa foi descoberta somente em 1908. É causada por três tipos de
poliovírus (I, II e II) e manifesta-se em grande parte, por infecções
inaparentes ou quadro febril inespecífico, em 90 a 95% dos casos. Nos quadros
mais severos, a poliomielite pode manifestar-se com meningite asséptica, formas
paralíticas e causar óbito.
As formas
paralíticas representam cerca de 1 a 1,6% dos casos e possuem características
típicas: paralisia flácida de início súbito, em geral nos membros inferiores,
de forma assimétrica; diminuição ou abolição de reflexos profundos na área
paralisada; sensibilidade conservada e arreflexia no segmento atingido e
persistência de alguma paralisia residual após 60 dias do início da doença. A
transmissão pode ocorrer de pessoa-a-pessoa, através de secreções
nasofaríngeas, ou de objetos, alimentos e água, contaminados com fezes de
doentes ou portadores. O período de incubação varia de 2 a 30 dias.
Demonstra-se
a presença do poliovírus nas
secreções faríngeas e nas fezes, respectivamente 36 e 72 horas após a infecção,
tanto nos casos clínicos quanto nas formas assintomáticas. O vírus persiste na
garganta cerca de uma semana e, nas fezes, por 3 a 6 semanas. A suscetibilidade
é geral, sendo que a infecção natural ou a vacinação conferem imunidade
duradoura ao tipo específico de poliovírus.
Embora provavelmente os poliovírus
venham causando paralisia nos seres humanos há milhares de anos, a poliomielite
só passou a ser considerada como um problema importante de saúde pública a
partir do século XIX. Em 1953, antes da era vacinal, o coeficiente de
incidência da poliomielite era superior a 20 por 100.000 pessoas nos Estados
Unidos e a doença era de distribuição universal.
Três tipos de
enterovírus os polivírus tipo 1, 2 e 3 podem causar a poliomielite e esses
agentes determinam imunidade sorotipo específica de longa duração. A
transmissão se dá principalmente pela via fecal-oral, embora a disseminação
faríngea também possa ocorrer, especialmente em países onde prevalecem as boas
condições de higiene.
Quando um
indivíduo suscetível à doença é exposto à infecção, na maioria das vezes
desenvolve uma infecção inaparente ou tem sintomas leves (febre, mal estar,
náuseas, vômitos, constipação, dor abdominal e, eventualmente, sinais
meníngeos); menos de 1% das infecções pelos poliovírus resultam na forma paralítica
da doença, que ocorre após um período de incubação de 7 a 14 dias. As taxas de
letalidade variam de 5 e 10%, sendo mais elevadas em adultos do que em
crianças.
História da Poliomielite no
Brasil
Os primeiros relatos de casos de
poliomielite no Brasil foram feitos no início de 1911, em São Paulo, pelo Dr.
Luiz Hoppe, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e no Rio de Janeiro,
pelo Dr. Oswaldo Oliveira, do Hospital Misericórdia. A primeira descrição de um
surto de poliomielite no país foi feita também, em 1911, pelo Dr. Fernandes
Figueira, no Rio de Janeiro, e um segundo registro de surto no país, em 1917,
pelo Dr. Francisco de Salles Gomes, em Americana, no Estado de São Paulo.
Ainda em
1971, é instituído o Plano Nacional de Controle da Poliomielite (PNCP) -
Estratégia de Vacinação em massa em 1 só dia (3 m a 4 anos de idade). Em 1974,
é expedida no ESP a Norma Técnica SS 7/74, de 23.02.74 (CSC) que estabelece um
novo conjunto de formulários e fluxos para a investigação epidemiológica das doenças
de notificação compulsória em todos os níveis do sistema.
Em nível nacional, em 1974, o PNCP é
incorporado ao PNI (Programa Nacional de Imunização), estabelecendo a vacinação
de rotina com a vacina Sabin em nível nacional, incluída no calendário infantil
de vacinação. Em 1975 é promulgada a Lei Nº. 6.229, de 17.07.75 que dispõe
sobre o Sistema Nacional de Saúde e a Lei 6.259, de 31.10.75, que cria o
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, estabelecendo normas técnicas, e
em relação ao controle da poliomielite, definindo a rede de laboratórios de
Saúde Pública com responsabilidade de diagnóstico da infecção pelo poliovírus
no sangue e fezes dos casos notificados.
Em 1989 são
registrados os últimos casos de isolamento de poliovírus selvagem no Estado de
São Paulo e no Brasil, após um período de realização de grandes campanhas
vacinais e vigilância epidemiológica. Em 1991, no Peru é registrado o último
caso das Américas. Em 1994, o país recebeu da OMS/OPS o “Certificado de
Erradicação da Transmissão Autóctone do Poliovírus Selvagem nas Américas”. A
partir de então, o Brasil reafirma seu compromisso em manter altas coberturas
vacinais e uma vigilância epidemiológica ativa de todo quadro de paralisia
flácida aguda (PFA), possibilitando, assim, a identificação imediata e precoce
da reintrodução do poliovírus, e a adoção de medidas de controle para impedir
sua disseminação.
Poliomielite, reabilitação e
agências internacionais
As epidemias
de poliomielite influenciaram fortemente o desenvolvimento da fisioterapia em
grande parte do mundo. A primeira grande epidemia de pólio nos Estados Unidos,
em 1916, infectou mais de 27.000 pessoas em 26 estados, resultando em
aproximadamente 6.000 mortes e milhares de casos de paralisia24. Ao longo da
epidemia norte–americana (1916 a 1955), foram infectadas em média 38.000
pessoas por ano, sendo que em 1952 chegou–se a alarmante taxa de infecção de 35
em cada 100.000 habitantes.
A poliomielite é uma doença viral,
que atingiu principalmente crianças de zero a quatro anos (não vacinadas),
causando a morte por comprometimento dos músculos respiratórios ou deixando
seqüelas com a perda parcial ou total da capacidade de contração dos músculos,
quadro conhecido como paralisia flácida aguda. O presidente norte–americano
Franklin Delano Roosevelt havia contraído pólio em 1921, aos 39 anos de idade.
Em 1937, Roosevelt criou a Fundação Nacional para Paralisia Infantil, talvez
uma das maiores responsáveis pelos investimentos maciços na pesquisa da vacina
contra a pólio. Em 1945, a Fundação Nacional para Paralisia Infantil,
colaborando com a Associação Americana de Fisioterapia, investiu mais de um
milhão de dólares para o avanço da fisioterapia no tratamento da poliomielite
paralítica.
Diversos artigos internacionais
comparam a importância da pólio como equivalente ou superior a das duas grandes
guerras mundiais, no que se refere a sua contribuição para o desenvolvimento
das técnicas de fisioterapia e da profissão de fisioterapeuta no mundo.
Como parte do
processo de desenvolvimento da profissão de fisioterapeuta, foi criada a
Confederação Mundial de Fisioterapia (WCPT) em 1951, na Dinamarca, que em seu
primeiro congresso internacional, realizado em Londres no ano de 1953, reuniu
cerca de 1.500 participantes de 25 países19. Em 1954, a WCPT estava
representada no III Congresso Mundial de Poliomielite, realizado na cidade de
Roma, no qual Albert Sabin e Jonas Salk apresentavam suas experiências com as
vacinas contra a poliomielite.
Nos anos
1950, a WCPT já mantinha relações formais de colaboração com a Organização
Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Dentre os objetivos definidos na fundação da WCPT constam a cooperação com
agências do sistema das Nações Unidas e outras agências internacionais "nos
seus esforços para iniciar, desenvolver ou ampliar serviços de reabilitação
através do mundo" e o oferecimento de consultoria, informação e
assistência a agências internacionais, governos e indivíduos para o
desenvolvimento de escolas de fisioterapia, oferecendo "pessoal e
equipamentos para departamentos de fisioterapia".
Durante os
anos 1950, diferentes organismos internacionais atuaram na área de
reabilitação, dentre eles: Fundo Mundial de Reabilitação, Organização Mundial
da Saúde, Organização Internacional do Trabalho, Reabilitação Internacional,
UNICEF, 'Colombo Plan', Federação Mundial de Veteranos e a Administração de
Assistência e Reabilitação das Nações Unidas.
De acordo com
o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, o interesse
mundial pela reabilitação ocorreu principalmente por quatro acontecimentos
históricos: as duas grandes guerras mundiais, processo acelerado de urbanização
e industrialização (favorecendo a propagação de epidemias e aumento dos
acidentes de trabalho), progressos tecnológicos, médicos e das ciências sociais
que permitiram a organização dos centros de reabilitação e uma consciência
social mais sensível à causa das pessoas portadoras de deficiência.
Segundo
especialistas do Comitê de Reabilitação Médica da Organização Mundial da Saúde
(OMS), a reabilitação teria como finalidade principal não apenas restabelecer a
pessoa afetada à sua condição anterior, mas também desenvolver ao máximo suas
funções físicas e mentais. Literalmente, como consta no informe do Comitê,
reabilitação não seria apenas a cura física, mas também a cura social e, ao
referir–se às vantagens da reabilitação nos países subdesenvolvidos, o texto
ressalta que "uma reabilitação, que transforma em produtor útil a um
consumidor inútil, representa uma contribuição valiosa ao bem–estar
geral".
O primeiro
informe de reabilitação médica da OMS, datado de 1958, destacava a dificuldade
de formação de uma equipe com fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais
(chamados de ergoterapeutas), ressaltando que "a formação de uma equipe de
fisioterapeutas e ergoterapeutas é uma tarefa tão ou mais difícil quanto à
formação de pessoal de cirurgia e de enfermaria".
Situação epidemiológica
mundial da poliomielite
Apesar de erradicada na maior parte
dos países, o poliovírus continua circulando na Ásia e África, o que impõe a
manutenção de uma vigilância ativa para impedir sua reintrodução nas áreas
erradicadas. Em 2005 e 2006, devido à epidemia africana além de se espalhar em
países com casos devido à baixa cobertura vacinal, o vírus reinfecção outros
países que estavam sem casos de pólio desde 1995. Até o momento, 16 países
apresentaram casos derivados da importação do vírus, destes, seis tiveram a
transmissão restabelecida: Sudão, Mali, Burkina Faso, Chad, República Africana
Central e Costa do Marfim.
Em 2007, 1265 casos de poliomielite
foram confirmados no mundo, em comparação com os 784 de 2006, quando os números
de países endêmicos eram seis (Nigéria, Niger, Egito, Paquistão, Afeganistão e
Índia), com os 125 países em 1988 e um número de casos de 350.000. Atualmente,
o mundo registra 1163 casos confirmados, o que representa um importante risco
de disseminação do poliovírus frente à vulnerabilidade promovida pela intensa
mobilização das populações.
O aumento na cobertura
vacinal de rotina e a instituição dos dias nacionais de vacinação, permitiram a
erradicação da pólio no hemisfério ocidental. Nas Américas o último caso de
poliomielite foi notificado à Organização Pan-Americana de Saúde em 1991, menos
de uma década após ter sido proposta a eliminação da pólio nessa região. Desde
então, nenhum caso de poliomielite devido ao vírus selvagem foi relatado no
hemisfério oeste e, a transmissão do vírus selvagem está restrita a outras
regiões do mundo, especialmente à África e Ásia.
A OMS
recomenda que as campanhas de vacinação em massa sejam realizadas na estação
seca, quando a conservação da vacina é melhor. Além disso, quando se administra
a vacina oral nos meses mais frios, as taxas de soroconversão são mais
elevadas. Durante as campanhas, a eficácia da vacina aumenta em função da
transmissão de pessoa a pessoa; portanto, todas as crianças menores de 5 anos
devem receber duas doses de OPV nos dias nacionais de imunização,
independentemente do número de doses recebidas previamente.
Qualquer
estratégia que não envolva a vacinação agressiva e realizada de forma
sincronizada será ineficaz para erradicação da pólio e deverá prolongar para
além do ano 2000 os esforços para erradicar essa doença. Os estudos sobre
imunidade de massa indicam que, para controlar a pólio e eliminar a circulação
do poliovírus, é necessário vacinar pelo menos 80% da população, visto que a
persistência da transmissão desse agente depende, tanto da contagiosidade como
do número de suscetíveis.
Na Namíbia
ocorreu uma epidemia por poliovírus tipo 1, em que 27 crianças ficaram
paralíticas num período de apenas três meses. Este triste episódio ocorreu
quando a cobertura vacinal caiu de 80% para 59%, alguns anos após a pólio ter
sido eliminada daquele país, sendo o poliovírus tipo 1 importado de Angola.
Essa epidemia da Namíbia e aquelas que ocorreram em outros países (Holanda,
Taiwan, Gâmbia, Senegal, Israel, Oman, Bulgária, Romênia e China) têm
demonstrado que a reentrada do vírus selvagem é possível, mesmo em regiões que
estavam livres da doença há muitos anos (FARHAT et al., 2000).
Dificuldades na erradicação
da poliomielite
Existem duas
grandes dificuldades no controle da pólio: a primeira é conseguir eliminar a
doença de países pobres, muito populosos e de zonas de conflito ou guerra; a
segunda é evitar o risco de importação dos poliovírus dessas regiões para os países
onde a pólio já está sob controle ou já foi eliminada.
Quando se
fala em erradicação de uma doença, deve-se entender que o agente foi totalmente
eliminado e não mais existe possibilidade de circulação do mesmo; controle
significa uma diminuição na incidência da doença e, eliminação significa a
erradicação regional. Porém, nesta última situação ainda existe o risco de
importação do poli vírus e da ocorrência de epidemias, se houver diminuição da
imunidade de massa e acúmulo de pessoas suscetíveis.
Naturalmente,
as dificuldades acima citadas têm íntima relação com problemas técnicos,
políticos e econômicos. O custo para a erradicação global da pólio é
extremamente elevado, pois além da vacinação (aquisição, distribuição,
conservação e controle de qualidade), inclui programas de vigilância
epidemiológica e, os países em desenvolvimento não têm condições de financiar
os programas locais.
A OMS estima
que o custo para erradicação da pólio em dez anos de programa, deverá ser de
US$ 1 bilhão; porém, quando a pólio for erradicada dos países em
desenvolvimento, os países ricos poderão economizar substanciais fontes de
recursos, que atualmente são aplicados na vacinação e reabilitação de
indivíduos doentes.
Somente nos
Estados Unidos a cada ano são gastos US$ 105 milhões e o custo da campanha
realizada para controlar a epidemia que houve na Holanda em 1992-93, foi de US$
10 milhões, isto sem considerar os custos de hospitalização e reabilitação dos
66 indivíduos que sobreviveram com sequelas. A cooperação dos países ricos para
erradicação mundial da pólio é, portanto, de seu próprio interesse.
O melhor
exemplo dos benefícios que podem ser obtidos com a erradicação global de uma
doença, foi o esforço mundial para eliminação da varíola que, além de poupar
inúmeras vidas, demonstrou ser possível recuperar em poucos anos os recursos
empregados pelos países industrializados que financiaram o projeto.
Estima-se que,
desde a erradicação da varíola tenham sido economizados mais de US$ 2 bilhões,
apenas nos Estados Unidos. Por esse motivo, os custos para erradicação global
da pólio têm sido financiados pela OMS, OPAS, UNICEF, Rotary Internacional,
Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras instituições financeiras dos
países ricos.
Com a
erradicação global, não haverá mais a necessidade de continuar os programas de
vacinação de rotina e as campanhas contra a poliomielite, e a OMS estima que os
EUA possam economizar a cada ano, US$ 230 a US$ 300 milhões. Estes valores
representam, aproximadamente, 1/3 do custo estimado para aplicação no Plano
Ampliado de Imunizações para os próximos 7 anos, e esses recursos poderão ser
empregados na prevenção de outras doenças.
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