Imóvel invadido fica em rua residencial
Mais de 100 famílias que já
ocuparam outros imóveis em São Paulo se instalaram há cerca de 15 dias em um
prédio na Rua Iraci, na região dos Jardins Paulista. O imóvel pertence à massa
falida do Banco Santos.
O administrador judicial da massa falida do Banco Santos, Vânio Aguiar, disse
que entrou com pedido de reintegração de posse do imóvel e aguarda a decisão
judicial.
Segundo ele, o prédio avaliado em R$ 18 milhões deve ir a leilão dentro de 90
dias.
Nesta terça-feira (3) pela
manhã, a reportagem encontrou algumas mulheres no prédio. Elas contam que a
maioria dos moradores costuma deixar o edifício logo cedo para trabalhar na
região do Brooklin ou no Centro.
"A gente
não quer ser dono do prédio. A gente quer o nosso lugar para morar porque não
tem mais condição de pagar aluguel. “O aluguel está muito caro”
Josefa
Maria da Silva,
sem-teto.
|
“Quero sair daqui direto para
a minha casa”, diz Dina Resende, de 59 anos, que ocupa um espaço no
térreo do prédio com o filho, a nora e dois netos. “Meu filho é pizzaiolo e
minha nora trabalha com telemarketing. Um sai de manhã e leva as crianças e
outro busca à tarde. O aluguel é muito caro. No mínimo sai por R$ 900. Uma lata
de leite custa R$ 22 e são duas crianças para cuidar. Não é brinquedo, não.
Para ir para o trabalho ainda tem que pagar Metrô na ida e na volta. Não é
fácil”, conta.
“A gente não quer ser dono do prédio. A gente quer o nosso lugar para morar
porque não tem mais condição de pagar aluguel. O aluguel está muito caro”,
contou Josefa Maria da Silva, de 58 anos, que mora com a filha diarista e três
netos. “Minha filha trabalha, mas tem dia que não tem trabalho”, afirmou
a aposentada, que participa pela primeira vez de uma ocupação.
Antes da ocupação do prédio nos
Jardins, eles já tinham ocupado imóveis no Centro e na Barra Funda.
Moradoras mostram bandeira na entrada do prédio de 12 andares
Apesar da localização
privilegiada, a infraestrutura do prédio de 12 andares por enquanto é precária.
O prédio que, segundo os vizinhos estão desocupados há vários anos, só tem luz
em dois andares. Água só no térreo, onde foi organizada uma cozinha coletiva.
Os banheiros que funcionam também estão neste andar. No início da manhã, os
ocupantes que saem para trabalhar têm prioridade na fila do banho. Quem pode
deixar o imóvel ao longo do dia entra na fila do banho mais tarde.
Nas contas das moradoras entre os ocupantes estão cerca de 40 crianças de
diferentes idades. Pelos menos duas delas são especiais: os filhos gêmeos de 12
anos de Deise Aline da Silva, de 35 anos. Ela, que tem sete filhos, mora com
quatro deles. A mãe e a irmã acolhem alguns deles. Nesta manhã, ela chegava com
três vasilhames de plástico que pretende usar para vender preparar algum
alimento que possa ser vendido na estação de Metrô mais próxima.
“Eu só posso trabalhar à tarde, quando os meninos vão para a escola. Pensei em
servir um café da manhã, mas já tem muita gente vendendo. Agora estou pensando
em fazer um sonho, que eu possa vender à tarde”, contou. O benefício que ela
recebe para os dois filhos doentes é todo investido no transporte deles até a
escola que fica na Vila Guilherme, na Zona Norte.
Área nobre
Nos andares não há divisórias, que foram destruídas ainda pelo proprietário.
Divisórias em madeira foram colocadas para separar as famílias. A relação com o
bairro, que ainda está sendo descoberto, também tem causado dificuldades para
os novos moradores. “Tudo é muito caro. Paguei quase R$ 30 em um pedaço de
carne. Eu estou chocada. Deu vontade de sair correndo”, disse Deise.
A moradora diz ainda que alguns vizinhos chegam a mudar de calçada ao passar em
frente ao edifício. “Tem gente que passa para o outro lado da calçada com cara
de nojo. Às vezes, eu fico me sentindo um lixo. Dá vontade de pegar e jogar no
rio”, brincou.
“Sabemos que o pessoal não quer a gente aqui”, contou Eva Lucia Gonçalves, de
41 anos, que cuida da entrada e da saída no imóvel. “Eles querem colocar a
gente na periferia, onde alagam, as pessoas perdem tudo. É assim que eles
querem a gente: lá afastado deles aqui. Eles passam aqui ignoram a gente, falam
que nós somos vagabundos, soltam bombinha. É um bairro chique. Eles não querem
a gente perto deles. A gente cumprimenta e eles viram a cara para o outro lado,
não querem nem ouvir o que a gente diz. O dia que a gente veio pra cá ocupar um
senhor falou que a gente estava desvalorizando o prédio”, afirmou a moradora.
Três vizinhos da ocupação que aceitaram conversar com o G1 disseram
que os moradores do prédio não os incomoda. “Está tudo muito tranquilo”, disse
um arquiteto. “Eles são tranquilos, mas tem hora que incomoda porque as
crianças berram, alguns homens berram, mas por enquanto está tudo calmo. Eu me
oponho à invasão porque esse imóvel vai garantir o pagamento dos direitos
trabalhistas dos então funcionários do Banco Santos”, disse um morador da Rua
Iraci há 25 anos. “Mas eles vão ter que sair porque isso deve ir a leilão”,
afirmou.
Terra Livre
Fabrício Mendes, integrante do coletivo de militantes do Terra Livre, disse que
o movimento social, inspirado na esquerda revolucionária, luta por reforma
agrária e reforma urbana. Segundo ele, o Terra Livre faz parte da Frente de
Resistência Urbana, da qual o MTST também faz parte.
O Terra Livre coordenou
ocupações no Jardim Pantanal, em Cotia e em Osasco. Cerca de 40 das 100
famílias agora em Pinheiros participaram de uma primeira ocupação na Barra
Funda, na Zona Oeste, alvo de reintegração de posse no dia 20 de fevereiro.
Novas famílias chegam a cada dia.
Segundo Fabrício, não houve
diálogo ainda nem com o Banco Santos e nem com a Prefeitura. "Pretendemos
negociar com a massa falida do Banco Santos e pressionar o poder público para
cobrar IPTU progressivo sobre o imóvel, que estava desocupado", afirmou.
Parte das famílias está inscrita em programas sociais e menos de 10% estão na
fila da casa própria.