Em visita à Argentina, Lula comentou
pela primeira vez em público o julgamento do mensalão. Não falou sobre os réus
já condenados. Pareceu mais preocupado com o veredicto que a história emitirá
sobre o seu governo quando puder se pronunciar. Cuidou de se auto-absolver.
“Eu já fui julgado. A eleição da Dilma foi um julgamento
extraordinário. Para um presidente com oito anos de mandato, sair com 87% de
aprovação é um grande juízo e não me preocupo com nada”, disse Lula, em
entrevista ao repórter Juan Landaburu, do diário La Nación.
O percentual mencionado por Lula foi anotado numa pesquisa feita
pelo Ibope em dezembro de 2010. Ao evocar a eleição da sucessora e a taxa de
aprovação obtida no final do segundo mandato, Lula como que antecipa sua
estratégia.
Para se contrapor às condenações do STF, Lula invocará como
sentenças absolutórias o álibi das urnas –foi reeleito em 2006 e fez a
sucessora em 2010— e o salvo-conduto das sondagens de opinião pública.
Não é à toa que Lula ordenou ao PT o adiamento da reação do
partido para depois do segundo turno das eleições municipais. Em privado, ele
diz que José Dirceu e José Genoino sofreram condenações “políticas” no Supremo,
“sem provas”.
O repórter perguntou a Lula se a condenação de “colaboradores
próximos” não o leva a fazer uma autocrítica. E ele: “Não me manifestei sobre
esse processo, primeiro porque naquela época era presidente da República e acho
que um ex-presidente não pode ficar opinando sobre a Suprema Corte.
Principalmente quando o processo está em andamento. Vamos esperar que termine o
processo e, então, com certeza poderei emitir minha opinião.”
Lula espera que o PT recolha das urnas de 2012 um resultado que
lhe permita dissolver o escândalo em votos. Essa é a quarta vez que ajusta sua
tática. No esforço que empreende para tentar reduzir os danos do mensalão, já
frequentou a cena com outros discursos.
Em 2005, nas pegadas da delação de Roberto Jefferson, Lula disse
que “não sabia” que a base congressual de seu governo fora costurada com liames
monetários. Em pronunciamento televisivo, chegou mesmo a pedir “desculpas”.
Dizendo-se “traído”, o Lula de sete anos atrás se expressou assim:
“Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao
povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir
desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas. Porque o povo
brasileiro [...] não pode, em momento algum, estar satisfeito com a situação
que o nosso país está vivendo.”
O que esse primeiro Lula disse, com outras palavras, foi que os
52.788.428 de votos que o haviam enviado ao Planalto deveriam enxergá-lo como
um bobo, não como um cúmplice. O tempo passou, a fervura diminuiu e surgiu um
segundo Lula.
“Esse negócio de
mensalão me cheira há um pouco de folclore dentro do Congresso Nacional”, declarou em 2006, ano em que foi às
urnas como candidato à reeleição. Alheia à pregação, a Procuradoria da
República deu de ombros para a tese da fábula.
Acomodado na cadeira de procurador-geral pelo próprio Lula,
Antonio Fernando de Souza esmiuçou a “quadrilha” numa denúncia e protocolou-a no STF. Excluiu Lula da encrenca.
Servindo-se dos dados colecionados pela Polícia Federal, atribuiu a José Dirceu
o papel de “chefe da organização criminosa”.
Numa entrevista de maio de 2010, época em que carregava nos ombros
a candidata Dilma, Lula encenou o terceiro ato. Evoluiu da lenda para a
conspiração: “Na verdade, [o mensalão] era um momento em que tentaram dar um
golpe neste país.”
Em dezembro de 2010, quando se preparava para passar o bastão para
Dilma, Lula recebeu José Dirceu para um café da manhã no Alvorada. Ao deixar a
residência oficial do presidente, o ex-traidor disse que, longe da Presidência,
Lula se dedicaria a desmontar “a farsa do mensalão.”
Nesta quarta-feira (18), o ministro Joaquim Barbosa, relator do
mensalão começou a ler à última ‘fatia’ do seu voto. Envolve 13 réus-a cúpula
política, o braço operacional e o núcleo financeiro da quadrilha. Nesse trecho,
analisa-se a imputação de formação de quadrilha.
Barbosa sinalizou o epílogo do seu voto, cuja leitura será
concluída nesta quinta (18). Já condenado por corrupção ativa, José Dirceu será
considerado pelo relator culpado também pela constituição da quadrilha.
Na abertura do voto, Barbosa já deixou assentado: a organização
criminosa existiu e o esquema que comprou votos no Congresso foi comandado por
Dirceu. Considerando-se a votação que impôs ao ex-ministro de Lula a primeira
condenação, não são negligenciáveis as chances de que a maioria do Supremo siga
o relator.
Nessa hipótese, a conclusão do julgamento realçará a falta de nexo
do vaivém de Lula. Primeiro pede “perdão”. Depois injeta a fábula na retórica. Em seguida fala de “golpe”. Por último, escora-se nas urnas.
A essa altura, nada livrará Lula da inserção de um ‘porém’ na
enciclopédia. O verbete dirá que sua presidência adicionou distribuição de
renda à estabilidade econômica obtida com o Plano Real.
E acrescentará: ‘Porém’, registrou-se no seu primeiro mandato a
mais atrevida tentativa de perpetuação de um grupo político no poder pela via
do malfeito. Coisa nunca antes vista na história desse país.