sexta-feira, 3 de julho de 2015

Na Flip, escritor queniano diz que, se pudesse, daria Nobel a Jorge Amado

O escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong'o dá entrevista na Flip 2015 (Foto: Letícia Mendes/G1)O escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong'o dá entrevista na Flip 2015 (Foto: Letícia Mendes/G1)
Pela primeira vez na América do Sul, o escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong'o, de 77 anos, se diz impressionado pelas "ruas de pedras puras" de Paraty, que "são lavadas pela água do Oceano Atlântico na maré alta", e com a língua portuguesa. Em entrevista coletiva realizada na manhã desta sexta (3), Ngũgĩ - pronuncia-se "ingugui" - afirma que, ao andar por Paraty, está muito consciente do sangue que os africanos escravizados deram por essa cidade.
"Para nós, africanos, o Brasil tem uma importância por causa da enorme população africana daqui, e que não veio por livre espontânea vontade", diz. Ele conta que tem uma conexão forte com intelectuais brasileiros, como Paulo Freire, com "A pedagogia do oprimido", e Augusto Boal, com o Teatro do oprimido, que o impactaram quando ele esteve preso na maior cadeia de segurança máxima do Quênia, em 1977, e fazia teatro comunitário.
 Paixão por Jorge Amado Conhecido por seu ativismo político, o escritor se diz honrado de ter sido muitas vezes cotado para o Prêmio Nobel de Literatura. "Mas meu Nobel verdadeiro é quando estou em qualquer lugar do mundo e alguém se aproxima e diz que meu livro o impactou de algum modo. Que aquela situação é semelhante a que ele já viveu. Vale a pena o esforço todo que foi escrever aquele livro. Vale a pena se meu trabalho der a esperança nas pessoas de que é possível mudar o mundo", conta.
Ngũgĩ se declara muito fã de Jorge Amado, principalmente do livro "Gabriela Cravo e Canela" (1958). O queniano conta que não chegou a conhecer o baiano, mas que eles fizeram parte do conselho de uma revista nova-iorquina sobre teatro. "Se eu tivessse um Nobel para dar, daria para o Jorge Amado, que me deu a sensação do que é o Brasil. Quando penso no Brasil, penso mais na Bahia do que em SP e Rio porque ele conseguiu transmitir o que é o Brasil dele. É o que o escritor tem que fazer."
"As lutas e a questão agrária são muito parecidas no Quênia e no Brasil. O latifúndio, a terra sendo tirada das pessoas comuns é semelhante ao que aconteceu no meu país, principalmente em 1952, com a rebelião dos "mau mau", que foi chamada assim pelos ingleses para nos desmoralizar. Mas o nome mesmo era Exército de liberdade pela terra, em que homens e mulheres tomaram armas e decidiram que era possível mudar. Isso é uma coisa que me inspira muito", afirma.
Um ano na prisão
Thiong'o teve sua trajetória dividida pela identidade local e a identidade imposta pela colonização britânica. Na escola, foi proibido de falar a língua nativa, forçado à circuncisão e à conversão pelo batismo na Igreja da Escócia, onde recebeu o nome James.

Capa do livro 'Um grão de trigo' (Foto: Divulgação)Capa do livro 'Um grão de trigo' (Foto: Divulgação)
Ele escreveu parte de seus livros em inglês mas, em 1977, renegou o catolicismo, a língua e a identidade inglesa, e escreveu no idioma nativo gĩkũyũ o romance "Petals of blood". Por criticar o neocolonialismo, acabou censurado e preso por um ano. "Nenhum ditador consegue impedir de usar a imaginação. Eles podem matar a pessoa, mas não a imaginação", afirma. "O único modo de escapar era a imaginação. Eu conversava com pessoas do mundo todo e o Estado não conseguia me impedir. A imaginação é uma mágica que todos nós temos."
Na cadeia, escreveu no papel higiênico o romance "Devil on the cross", publicado em 1982. "Na época, não nos era dado papel ou caneta a não ser que você fosse escrever uma confissão. Então, eu dizia que ia confessar para conseguir a caneta e escrevia no papel higiênico. E na minha língua nativa. Para ser uma espécie de desafio, de resistência."
Hoje, ele vive nos Estados Unidos, para onde se mudou após ser exilado de seu país ao deixar a prisão, é professor de inglês e literatura comparada da Universidade da Califórnia, e membro da Academia Americana de Artes e Letras.
Na Flip, o autor lançará as primeiras traduções de seus livros para o português. Pela Alfaguara, sai em junho "Um grão de trigo" (1967), que retrata a idependência do Quênia. Pela Biblioteca Azul, sai "Sonhos em tempo de guerra", as memórias de Thiong'o. Ele divide uma mesa, às 17h15 desta sexta, com o romancista australiano Richard Flanagan, em que vão falar de colonialismo e identidade nacional.

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