A questão da redução da maioridade penal deflagra posicionamentos de todas as ordens nas redes virtuais e nos meios de comunicação. As opiniões dividem-se e muitas delas são embasadas em juízos de valor que não levam em conta a realidade brasileira, em cuja dinâmica a noção de justiça atrela-se, intrinsicamente, ao poder econômico das pessoas, quando não a aspectos culturais e étnicos.
Um olhar mais acurado sobre as pesquisas que tabulam dados referentes aos encarcerados, quanto à sua classe social e etnia, faz perceber, entre eles, uma quantidade de negros e pobres muito maior do que a dos demais segmentos. Dados divulgados pelo Ipea apontam que o rigor da Justiça Criminal com os negros é maior do que com os brancos. Pesquisa do Instituto Avante conclui que a massa carcerária brasileira é formada majoritariamente por homens jovens, pardos e com baixa escolaridade. De acordo com 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, das 53.646 vítimas de homicídio, 36.479 são negras, e existem 61,7% de negros encarcerados a mais do que brancos. Segundo dados do ICPS, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Como se vê, trata-se de dados cientificamente levantados, isentos de viés subjetivo, e a objetividade importa deveras ao se analisar a proposta da redução da maioridade penal e seu alcance.
Apesar de tais informações renderem discussões diversas, interessa-nos, aqui, o que elas revelam a respeito do sistema prisional no país. Fica clara, sobretudo, a ineficiência das prisões brasileiras, bem como sua característica depositária de pessoas na sua maioria ignoradas pelo sistema, visto que não consomem, não pagam impostos em dia, não estudaram, enfim, não são gente por quem valha a pena dispender um mínimo de atenção. É preciso consumir para existir, para sair da invisibilidade; daí o constante descaso com as crianças e jovens de nossa sociedade, visto que pertencem a uma faixa etária que consome muito pouco, não alimentando, assim, o "status quo" daqueles que orbitam folgadamente nas esferas do poder.
Importante ressaltar que existem pessoas de má índole e que utilizam coisas e pessoas em proveito proveito próprio, burlando limites éticos e/ou legais, entre os pobres e os ricos, entre os brancos, negros e pardos, entre crianças, jovens e velhos. No mais, o que sustenta nosso caráter e nossa dignidade são sobretudo nossas condições de acesso - ou não - à cidadania, ao longo de nossas vidas, a qual requer a existência de perspectivas, de uma família estruturada, de condições básicas de higiene, de refeições decentes, de uma escola de qualidade, de um lar para voltar no fim do dia. Por isso mesmo, não podemos ignorar, fechando o vidro dos nossos carros nos sinaleiros, os alijados de direitos básicos e de dignidade como seres humanos, crescidos com sonhos interditos sob vozes e mãos violentas. É preciso perceber que as oportunidades oferecidas não são iguais a todos. É preciso notar que qualquer um deveria ter acesso a uma educação de qualidade, a condições mínimas de sobrevivência, a hospitais eficientes, a uma justiça realmente justa, ou seja, a cidadania deveria ser coletiva e indiscriminadamente alcançada por todo mundo, a despeito de classe social, cor, orientação sexual, entre outros – o que não corresponde à realidade. É preciso indignar-se.
Ninguém, aqui, está defendendo criminoso ou fazendo apologia ao crime e à impunidade; longe, muito longe disso. Trata-se da certificação de que crescer em ambientes inóspitos, sem o aconchego de um lar estruturado, sem ter nunca conhecido um cafuné da mãe e um sorriso do pai, na ausência de uma educação formal em escolas de qualidade, torna as pessoas mais propensas a violar o direito dos outros, uma vez que não sabem o que são direitos e desconhecem o bem que o outro pode trazer às suas vidas. A cidadania não lhes diz respeito, nunca lhes disse. Todos devemos arcar com as conseqüências de nossos atos e a impunidade precisa, sim, ser combatida. Porém, em nosso país, as prisões estão sucateadas, superlotadas e dominadas pelo crime, ou seja, isentam-se do papel educador e reintegrador que deveriam possuir – sete em cada dez presos que deixam o sistema penitenciário brasileiro voltam ao crime, uma das maiores taxas de reincidência do mundo, segundo a Agência Brasil. Urge a necessidade de uma reformulação profunda nesse âmbito.
Ser contrário à redução da maioridade penal não significa, pois, como muitos apregoam, ser favorável à impunidade de crimes cometidos por menores, tampouco implica a culpabilização do Estado por esses crimes; apenas se constata que prender um sujeito, de qualquer idade, nas prisões brasileiras, não diminui a criminalidade como um todo. O sistema prisional, como se configura hoje, é improducente, pois não reeduca, nem reintegra ninguém de volta à sociedade. É como ficar matando pernilongos com a janela aberta, atacando-se as conseqüências do problema, enquanto as causas continuam abertas em suas feridas, não cicatrizando nunca.
Antes de se reduzir a maioridade penal, há que se enfrentar a problemática que impregna o sistema prisional de vícios, corrupção e criminalidade; há que se combater a desigualdade social e de oportunidades em nosso país; há que se investir em educação. As pessoas necessitam sonhar e, para isso, necessitam de condições mínimas de vida. Sem sonhos se empaca, se imobiliza, se sofre, se anula, se mata e morre. Há que se reduzir a idade para o acesso ao fazer, ao aprender, ao ser, ao amar. Há que se reduzir a maioridade cidadã.
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