Pelo segundo dia consecutivo, o governo chinês desvalorizou sua moeda diante do dólar. O yuan, ou remninbi, caiu 3,5% desde terça-feira e atingiu hoje seu patamar mais baixo nos últimos quatro anos, 6,43 por dólar. Mais importante que o nível da desvalorização é o sinal que ela envia. Embora o Banco Central da China tenha afirmado em comunicado que “nada justifica atualmente uma depreciação sustentada do Yuan”, a medida terá um efeito sobre os mercados globais que contribui para agravar ainda mais a crise econômica brasileira.
O principal fator responsável pelo crescimento do Brasil durante a era Lula foi a alta das commodities exportadas para todo o mundo, sobretudo para a China. A crise de 2008, a queda no preço das commodities e a política desastrada adotada no primeiro governo Dilma nos trouxeram à recessão atual. Olhar para a economia chinesa é fundamental para nós. A China é hoje o maior parceiro comercial do Brasil, destino de R$ 40,6 bilhões de dólares em exportações e origem de US$ 37,3 bilhões em importações. Seu efeito nos mercados globais é gigantesco, e o poder de compra do 1,2 bilhão de chineses é encarado como um dos motores do crescimento da economia mundial.
O objetivo da política cambial chinesa sempre foi estimular a exportação de seus produtos para fortalecer o crescimento econômico e o emprego local. Foi a cotação baixa do yuan que levou dezenas de indústrias americanas a instalar-se na China e a transformou o país num sorvedouro de empregos. Até 2005, o yuan era mantido artificialmente baixo, a uma cotação de 8,28 por dólar. Na ocasião, o governo chinês aceitou sob pressão deixar a moeda apreciar-se, e seu valor subiu cerca de 30% desde então, até 6,33 por dólar. Isso não impediu que, nesse período, as exportações chinesas crescessem de US$ 761 bilhões para US$ 2,3 trilhões, no ano passado.
Agora, o cenário mudou. Em julho, as exportações chinesas foram 8,3% menores do que no mesmo período do ano passado. As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia chinesa estão hoje muito distantes do crescimento de dois dígitos comumente registrados até 2010. O FMI estima que a China crescerá 6,8% em 2015 e 6,3% em 2016. Na semana passada, o FMI também afirmou que, por causa do controle cambial, o Yuan ainda não estava maduro para fazer parte de uma cesta de moedas globais que podem ser usadas como reserva e para transações com o fundo (a cesta inclui dólar, euro, libra esterlina e iene).
Com reservas cambiais hoje em torno de US$ 3,5 trilhões, seria fácil segurar a cotação do yuan e o poder de compra da população. Mas isso significaria mais desaceleração no crescimento. Desde o início do ano, a tensão nos mercados chineses é palpável. O mercado acionário local, inflado artificialmente por uma mania, atingiu seu ápice em 12 de junho, quando começou a sofrer uma sucessão de quedas bruscas. As ações desvalorizaram 32%, enquanto o governo tomou uma série de medidas para tentar conter a saída de dinheiro das bolsas e manter as cotações em alta. O pânico passou, mas as reservas chinesas caíram US$ 300 bilhões.
Todo esse quadro colocou o governo chinês diante de um dilema. Há duas alternativas para voltar a crescer. A primeira, mais fácil, é fortalecer as exportações com a desvalorização. Nesse caso, o crescimento continua a ser movido pelo mercado externo – e representa fuga de empregos dos Estados Unidos, da Europa e também do Brasil. A outra alternativa seria manter a moeda forte para incentivar o consumo e o mercado interno. É um caminho mais sustentável, embora represente mais desemprego no primeiro momento e uma queda nas reservas chinesas em dólar.
A China tem altos níveis de poupança e investimento. Ergueu em menos de dez anos a maior rede de trens de alta velocidade do mundo. Pequim está construindo o sétimo rodoanel (atenção, paulistas: sétimo!). O que falta por lá é aquilo que o Brasil teve de sobra nos anos Lula: consumo via crédito fácil. Isso só seria possível com um mercado financeiro aberto e menos controle do governo. Ao desvalorizar o yuan, a China afirma atender à demanda do FMI e do mercado, que gostariam que a moeda flutuasse livremente. Mas isso é ilusório. O controle do câmbio continua a ser artificial, e o governo quer manter suas reservas em alta como forma de pressão sobre os Estados Unidos.
A revista britânica The Economist, diz que a China tenta equilibrar vários pratos ao mesmo tempo: “Quer se transformar de uma economia baseada em investimentos, para um modelo baseado em consumo, sem deixar o crescimento cair. Quer deter a especulação nos ativos, sem prejudicar sua indústria. Quer participar dos mercados, sem ser atingida pela volatilidade. Quer expandir o setor financeiro, sem sofrer o influxo de capital especulativo que desestabilizou a Ásia no final dos anos 1990”. É uma tarefa complicada, e os sinais serão necessariamente ambíguos. A consequência, como afirma Patrick Chovanec na Foreign Policy, será menos crescimento na Europa e nos Estados Unidos, e um ajuste ainda mais doloroso para países como o Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário