15 anos de equívocos do setor elétrico
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Na sequencia de equívocos da política
energética implementada nos últimos 15 anos, se constatam reflexos altamente
indesejáveis para o país, e claro para sua população. As consequências mais
evidentes foram à crise do desabastecimento em 2001/2002 resultando no
racionamento de energia elétrica, as questionadas opções escolhidas para a
oferta da expansão do parque elétrico (termelétricas, usinas nucleares, e mega
hidrelétricas na região Amazônica), a explosão tarifária e os sucessivos
apagões e “apaguinhos” recorrentes em todas as regiões do país.
O marco zero destas mudanças iniciou em
1995 com a reestruturação do setor elétrico através da aprovação da lei 8987 de
13 de fevereiro, que modificou o regime de concessão e permissão da prestação
deste serviço público. O principio desta reforma foi de tratar este serviço
como qualquer outro, prometendo criar um mercado competitivo no setor, tornando
este bem estratégico, uma simples mercadoria sujeita as leis do mercado.
Alegavam os idealizadores deste modelo mercantil que assim, atrairiam
investimentos privados para o setor, melhorariam a eficiência dos serviços
elétricos oferecidos, e como consequência haveria a diminuição do preço da
energia. Bem, hoje se verifica o oposto destas pretensões, promessas e
justificativas apresentadas para a aceitação da reforma. Iludiram o povo
brasileiro.
O desabastecimento ocorrido no inicio
do século XXI mostrou ao país que não se pode transferir ao mercado o
planejamento deste setor, e nem subtrair investimentos realizados pelo próprio
Estado. Esta malograda ação provocou o caos no setor da energia. No período de
9 meses (junho/2001 a fevereiro/2002), todos os setores da sociedade
brasileira, uns mais e outros menos, foram obrigados a diminuir o consumo,
resultando a redução das atividades econômicas, atingindo diretamente os
empregos, investimentos e o bolso do cidadão.
Prejudicial à biodiversidade foram às
decisões autoritárias tomadas pelo Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE) para ofertar energia priorizando a construção de mega-hidrelétricas na
região Amazônica, altamente duvidosa, do ponto de vista econômico, ambiental e
dos direitos humanos das populações ribeirinhas e indígenas. O avanço do
programa de termelétricas utilizando combustíveis fosse (gás natural derivados
de petróleo e carvão mineral), completamente na contra mão das preocupações em
reduzir os gases de efeito estufa e de combater o aquecimento global. A
esdrúxula e incompreensível reativação do programa nuclear, apontando para a
construção de 4 novas usinas nucleares até 2030 e a construção de Angra III,
foi outra decisão equivocada, visto que vários países do mundo caminham na
direção oposta, do afastamento e de abolir esta forma de geração elétrica. Ao
mesmo tempo minimizando o papel das novas fontes de energia renováveis e da
conservação de energia na matriz energética nacional.
Também como consequência de um modelo
mercantil imposto à sociedade, que depositou uma fé cega no
mercado, e tendo o apoio de um Congresso Nacional
subserviente ao poder executivo, os apagões e “apaguinhos” tornaram-se
presentes e frequentes no dia a dia do cidadão. As causas destes episódios
muitas vezes foram e são apresentadas, ora como incidentes não explicados
claramente, ora como causados pela natureza (raios, temporais,...). Devido o
caráter autoritário deste setor, a população não é bem informada das causas que
resultaram estes episódios, que geralmente ocorrem por falta de investimentos
na ampliação de pessoal, na modernização dos equipamentos e na falta de
manutenção.
O que está cada vez mais claro para a
sociedade brasileira, é o autoritarismo e a falta de democracia que prevalece
na tomada de decisões que afetam a população brasileira. Visto que o CNPE, quem
decide a política energética do país, é um órgão decisório de pouco mais de 10
membros, majoritariamente formado por ministros de Estado e indicações da
presidência da república. Logo se percebe a necessidade urgente de
democratização do setor elétrico-energético nacional. Empresas tradicionais do
setor como FURNAS, CHESF, CEMIG e CESP não podem e não devem servir as
barganhas políticas. São empresas de alto conteúdo técnico, e a indicação de
grupos políticos para cargos técnicos tem comprometido o bom desempenho e a
gestão de tais empresas. E quem “paga o pato” pela incompetência é o país e sua
população que sofre as consequências da barganha política, que, diga-se de
passagem, nada mudou nestes anos todos.
È inegável o papel e a importância para
o país do setor elétrico brasileiro no desenvolvimento nacional, na soberania e
da qualidade de seus técnicos. Todavia, urge a democratização deste setor,
incorporando aos processos decisórios outros agentes políticos da sociedade
brasileira. Democracia já (para ontem)!